6/21/2009

DESIGN e CIDADANIA

O texto que se segue foi-me enviado por alunos que estiveram na sessão de ontém na FEUP. Publico-o depois de ter obtido a necessária autorização, esperando que possa contribuir para o inicio no blog de uma prática mais frequente e continuada de troca de ideias e para a captação de mais contributos de outros participantes.
Carlos Aguiar


(Email recebido) - O meu nome é Joana e frequento o primeiro ano de Design na Universidade de Aveiro. Ontem estive na Conferência “Design e Cidadania” juntamente com dois colegas de curso (Joana e João) e gostaria de partilhar consigo a nossa opinião e experiências relativas à questão que foi levantada sobre o Ensino do Design em Portugal.

Esta palestra deu para confirmar aquilo que temos vindo a sentir face ao ensino da disciplina do Design, tanto no nosso curso específico, como noutros semelhantes espalhados por todo o país, que é nem mais do que um desfasamento da realidade nos projectos que nos pedem, a não aposta na inovação (como por exemplo a pesquisa de novas soluções, novos materiais, etc.), uma ausência muito grande da tecnologia, entre outros problemas que vou falar adiante.

Antes de mais queria explicar a razão da minha ida para Aveiro para conseguir transmitir melhor os problemas que tenho constado.

Eu frequentei o curso de Design do Produto na Escola Secundária António Arroio, que é uma escola especializada no ensino artístico em Lisboa, e no final do 12º senti a necessidade de uma formação que também reunisse a componente do “design de comunicação”, pois acho imprescindível um designer ter noções de como mostrar ou comunicar de forma eficaz o trabalho que desenvolve, e de facto era uma área em que tinha alguma dificuldade.

Escolhi por isso um curso mais geral, na expectativa de continuar a evoluir e a aprender “um pouco de tudo”.

Preferi a Universidade de Aveiro a outras que também oferecem este curso porque achei que podia ser uma mais valia reunir diversos pólos/departamentos (Engenharia, Mecânica, …) no mesmo espaço, e poderia haver assim a interacção de várias áreas tão necessária no Design.

No entanto, deparei-me com um enorme travão.

Para começar reparei que a formação da maior parte dos meus colegas que vinham do secundário, nomeadamente do curso de Artes Geral* e de Ciências era um pouco deficiente, pouco diversificada e posso afirmar que 80% não tinha qualquer noção do que era efectivamente o Design, ou pior, confundiam o Design como uma Arte. Isto só demonstra mais uma vez aquilo que se tem vindo a falar: o desconhecimento do propósito do Design pela sociedade portuguesa e a não afirmação deste na sua cultura, ou seja, a inconsciência total. É de se questionar de facto de quem é a culpa desta situação, se dos professores que não ensinam ou não transmitem a informação porque não lhes diz nada ou dos alunos que, tendo acesso à internet e a outros meios de conhecimento gratuito não procuram informar-se. Compreendo ser difícil para um aluno de 15/16 anos desligar-se do meio em que vive e de todos os pré-conceitos que a sua cultura faz em relação ao Design e aventurar-se em perceber o que realmente esta palavra é, até porque muitas vezes a informação do seu meio também se encontra viciada. Mas não compreendo (nem me conformo com) a ausência desta matéria na formação de um cidadão português, quer estude economia, ou línguas ou se fique só pelo ensino obrigatório (9º ano). É de facto indispensável para que se comece a mudar mentalidades e para que de futuro a decisão de escolher uma formação em Design seja consciente e não apenas uma moda.

Em relação ao curso que comecei a frequentar este ano as criticas que tenho a apontar vêm nesta linha. O primeiro ano que experienciei serviu para nos colocar todos “ao mesmo nível”, desenvolvendo portanto trabalhos numa vertente experimental, com mais preocupações em aprender técnicas e desenvolver a capacidade de pensar. Não discordo com este modelo pois considero importante numa primeira instância aprender com os erros, experimentar, experimentar e corrigir. Acontece que num curso que tem a duração de 3 anos, perder um ano (que considero necessário) a “nivelar” preocupa-me bastante, pois significa termos apenas 2 anos para desenvolver qualquer coisa a que se possa chamar projecto. Torna-se assim obrigatório o mestrado para completar as bases da minha formação, o que significa um grande esforço económico.

Em relação às cadeiras que temos, sinto ou sentimos não existir uma ligação eficiente entre a teoria e a prática, ou seja, a teoria surge pela necessidade, mas também surge por não existir forma de aplicar, e a solução passa por dar mais teoria para preencher essa falha. Há de facto uma grande deficiência ao nível dos equipamentos ao nosso dispor para podermos ter uma aprendizagem efectiva, e isto não acontece só em Aveiro. É rara a Universidade Publica em Portugal que ofereça umas instalações e equipamentos que possa afirmar serem Bons para que “decorra o Design” sem limitações técnicas. Este problema é bastante influente na escolha dos projectos que nos atribuem, que raramente chegam a ser materializados. São os chamados “projectos para exposição” que consiste em fazer um “produto de Design” para se expor e toda a gente apreciar e depois voltar para o portefólio do aluno, orgulhoso do seu trabalho, sem se aperceber que provavelmente se pusesse em prática tal projecto iriam surgir problemas que nunca tinha pensado, custos de que não tinha noção até se tornar completamente impossível, porque não são feitos para se testar, para chegar a uma função efectiva, para a realidade. Isto já nos aconteceu, e acontece.

A interdisciplinaridade que esperava quando parti para esta Universidade também não aconteceu, ou não foi necessária precisamente pelo carácter dos nossos projectos. Primeiramente, o Design do produto ou industrial foi anulado por “defeito” de formação dos nossos professores, quase todos de Belas Artes no Porto, depois, como já referi, os problemas de projecto são criados à medida do que se tem. As engenharias e as mecânicas ficam fechadas no seu edifício assim como nós ficamos fechados no nosso juntamente com as Artes.

Não queremos com isto dizer que não temos aprendido nada com esta experiência, ou que estamos totalmente em desacordo com a metodologia do nosso curso, mas notamos que há um enorme potencial em desenvolver projectos que vão além da hipótese e da fantasia, através de uma simples mudança de objectivos: em vez de canalizarmos todo o empenho e trabalho que temos em fazer esses projectos sem implicações e sem destino usarmos esse mesmo tempo gasto e conhecimentos para um que tenha uma razão de existir, um porquê, e que seja útil a alguma coisa além do portefólio.

A energia gasta em ambos é talvez a mesma, a diferença está em produzir Design ou produzir mais uma coisa.

É com razão que se falou hoje em dar aos estudantes a força para mudar, e concordamos ter de ser nós a identificar, apontar e fazer com que mude o que achamos estar mal, mas deparamo-nos com outro problema: a atitude passiva dos nossos colegas, que vem mais uma vez parar à questão da tradição portuguesa em relação ao Design. A conformação com o que se tem que “ é melhor que nada”, o desconhecimento da realidade do Design por parte de outros, o objectivo cerrado de “acabar o curso e trabalhar, nem que seja a fazer flyers para o bar da esquina” que não permite olhar além umbigo, faz com que a maior parte dos estudantes não se questione sobre o que se passa lá fora, e bastava isso e pouco mais para perceber que o Design em Portugal está muito longe de resolver os problemas reais que devia resolver e que isso devia começar desde logo no seu ensino. Costumo dizer que não há espaço nem tempo para produzir mais lixo no mundo, e isso é o que tenho feito no meu percurso académico ao produzir coisas para resolver problemas criados/inventados e não problemas que já existam. Estou a desperdiçar motivação e a produzir lixo.

*o curso de Artes Geral que se dá actualmente em Portugal permite a escolha entre Matemática ou História de Arte ou Físico-química, em Oficinas de Artes pode-se fazer como “Projecto” desde pintar as paredes da escola (como a maioria o fez), ou “trabalhos artísticos no computador” dependendo muito da formação e dos gostos de quem dá a disciplina (por exemplo).

Acerca das palestras queríamos desde já agradecer a oportunidade que nos foi dada e dar os parabéns pela iniciativa. Gostaríamos de saber se é possível termos acesso às gravações que foram feitas de ambos os dias para rever e mostrar a alguns interessados que não puderam comparecer.

Obrigada.

Melhores cumprimentos,
Joana, Joana e João